A abolição da escravatura não foi acompanhada, no
Brasil, de nenhuma iniciativa do Estado de reparação do dano cometido à população
negra. Entender essa afirmativa analisando-a historicamente é ponto de partida
para a reflexão a respeito das políticas de cotas sociais e raciais no Brasil.
O Censo Demográfico realizado em 2010 mostrou que, pela primeira vez na história, o Brasil deixou de ser um país majoritariamente branco. Os negros e pardos, de acordo com a terminologia do IBGE, representam, hoje, mais de cinquenta por cento da população brasileira. No entanto, por conta de um passado de servilismo e submissão, de total exploração, essa representação não se espelha de forma igualitária na sociedade. Pesquisas apontam que, por mais que a porcentagem de negros no país ultrapasse a de brancos, apenas 25% dos estudantes do ensino superior são pretos ou pardos. Há quem tente buscar exemplos de negros que fazem sucesso profissional - existem, mas são poucos - como a constatação de que o racismo brasileiro é uma mentira. Não é.
As oportunidades nos bancos escolares do nível
superior para brancos e negros é assustadoramente desigual. É fundamental, portanto, a
adoção de uma política de cotas nas universidades brasileiras. Assim, corrigir
um passado injusto, desigual e escravocrata deve ser função do Estado, que não
pode cruzar os braços diante de uma situação de tamanha
negligência. Defender a meritocracia, alegando que as cotas as
destroem, não pode ser aceito em um sistema que não fornece igualdade de
oportunidades e acesso.
O que está em jogo não é uma simples segregação por
conta de algum DNA mitocondrial ou pela concentração de melanina na pele. A
discriminação se dá por um contexto de significados e efeitos históricos, que
aparecem a partir da percepção de fenótipos como a cor de pele e à situação do
sujeito – sendo a interpretação desses algo meramente subjetivo. Portanto,
minimizar os efeitos das desigualdades sociais no ensino superior, e, dessa
forma, aumentar a participação de negros nas universidades públicas ajuda na
identificação da população negra para além de estereótipos de faxineiras e
traficantes, vá lá, jogadores de futebol e sambistas.
Não vale o torto raciocínio segundo o qual o
sistema de cotas, por favorecer um grupo determinado, é “um racismo
combatendo um racismo”. Trata-se de algo reducionista que desconsidera um
cenário estrutural de preconceito. A inclusão de cotas diminui o abismo
histórico entre etnias existentes na sociedade brasileira. Não segrega. Pelo
contrário, intensifica a participação dos negros e aumenta a oportunidade de
alcance a um emprego, ainda que o mercado de trabalho continue sendo um
ambiente preconceituoso.
Em suma, a questão gira em torno de um ponto
fundamental: trata-se de uma medida paliativa, mas que não impede que se
combata o mal pela raiz. Deve-se investir em educação e devem-se aumentar as
oportunidades. Mas as cotas continuarão exercendo um papel fundamental na sociedade
enquanto ainda houver racismo e injustiça social. Cotas é sinônimo de justiça social.